sexta-feira, 1 de abril de 2011

O pluralismo segundo a ERC

Em resposta ao envio da Petição pelo pluralismo de opinião no debate político-económico (e respectiva lista de subscritores), a 30 de Outubro de 2010, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) fez chegar aos promotores a Deliberação 2/PLU-TV/2011 - que aprecia a referida petição - bem como o relatório que serviu de suporte a essa mesma deliberação.
Considerando que a resposta da ERC se revela muito insatisfatória (e até contraditória nas conclusões a que chega), face à denúncia dos peticionários quanto ao défice de pluralismo no tratamento que a comunicação social (muito particularmente os canais televisivos) tem dado às questões político económicas, entenderam os promotores da petição remeter à Entidade Reguladora para a Comunicação Social o seguinte comunicado:

COMUNICADO DE RESPOSTA À DELIBERAÇÃO DA ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL (ERC) PELOS PROMOTORES DA «PETIÇÃO PELO PLURALISMO DE OPINIÃO NO DEBATE POLÍTICO-ECONÓMICO»

1. No contexto da aprovação do PEC III, em Outubro de 2010, um conjunto de cidadãos resolveu expressar a sua preocupação pelo acentuado monolitismo do comentário e discussão, nos órgãos de comunicação social (particularmente nos canais televisivos), das opções político-económicas então apresentadas e que foram discutidas no pressuposto da sua inevitabilidade e incontrovérsia. Nesses termos, os cidadãos subscritores da petição denunciaram a «constituição de leque apertado e tendencialmente redundante de opiniões», que excluiu economistas, académicos de outras áreas e representantes de certos sectores sociais que, em comum, contestam a lógica das medidas adoptadas pelo PEC III, alertando «para o resultado nefasto de receitas semelhantes aplicadas em outros países» e denunciando a «injusta repartição dos sacrifícios feita por politicas que privilegiam os interesses dos mercados financeiros liberalizados». No entender dos peticionários, o pluralismo de interpretações e perspectivas sobre a crise, os seus impactos e as opções de superação estava seriamente posto em causa, com consequências nefastas para a formação de uma opinião pública devidamente esclarecida.

2. Foi essa funda percepção que levou os promotores a lançar a Petição pelo pluralismo de opinião no debate político-económico, que rapidamente atingiu um milhar de assinaturas. Para além de notícias e comentários em jornais e blogues, o eco da petição chegou também ao Provedor da RTP, que dedicou à iniciativa uma edição do programa «A Voz do Cidadão». As preocupações dos peticionários foram igualmente transmitidas, por correio electrónico e correio postal às direcções de informação dos canais televisivos e a outros meios de comunicação social, aos responsáveis por programas de opinião que se debruçam sobre questões político-económicas, bem como aos grupos parlamentares e à própria ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social).

3. Os promotores da petição tiveram recentemente conhecimento da deliberação que a ERC entendeu produzir sobre o assunto, datada de dia 10 de Março de 2011. Na resposta, esta entidade anexou à deliberação o relatório que a suporta, baseado no recenseamento dos espaços de informação e opinião difundidos pelos canais de televisão entre 14 e 20 de Fevereiro de 2011. Registando o cumprimento dos princípios estatutários por que se rege a ERC em matéria de defesa do pluralismo nos órgãos de comunicação social, os promotores da petição entendem, contudo, dever pronunciar-se sobre o teor do relatório disponibilizado pela ERC e a deliberação a que o mesmo deu origem.

4. Os promotores da petição pretendem assim manifestar, desde logo, a sua perplexidade pelo facto de não ter sido analisada a produção televisiva nos dias imediatamente subsequentes à aprovação do PEC III, isto é, no espaço temporal explicitamente referido na petição e que fundamentou as preocupações nela expressas. Perante a possibilidade de essa análise se confrontar impedimentos inultrapassáveis, esperariam os promotores da petição ter obtido um esclarecimento nesse sentido por parte da ERC, o que não se verificou.

5. Tal como importa sublinhar, do mesmo modo, a manifesta insuficiência de respostas por parte dos responsáveis editoriais da RTP1, RTP2, RTPN, SIC, SIC Notícias, TVI e TVI 24, quando instados pela ERC a pronunciar-se sobre a produção televisiva em apreço no período entre 29 de Setembro e 29 de Outubro. É com estranheza, de facto, que os promotores da petição constatam a complacência e resignação da ERC face ao escasso número de respostas obtidas, bem como quanto à superficialidade da informação recebida, sobretudo tendo em conta que, no âmbito do pedido efectuado, era solicitada «informação detalhada sobre os intervenientes convidados a participar» nos espaços de noticiário e debate que foram para o ar entre 29 de Setembro e 29 de Outubro.

6. Ainda nesta matéria, os promotores da petição lamentam, por um lado, que apenas a RTPN e a SIC / SIC Notícias tenham respondido à solicitação da ERC, na medida em que tal evidencia, por parte dos directores de informação não respondentes, um efectivo, inaceitável e incompreensível desprezo pela percepção de um conjunto significativo de cidadãos em relação à falta de pluralismo no debate político-económico. Por outro lado, pretendem igualmente os promotores da petição repudiar o modo autista e a argumentação rudimentar de que se socorreu o Director de Informação da SIC e da SIC Notícias na resposta às suas preocupações. Esclarecendo a ERC da «quase impossibilidade de registarmos a totalidade dos intervenientes convidados a participar» (sic), considera o Director de Informação daquela estação televisiva como «insultuosas e pouco próprias da tolerância e pluralismo que caracterizam os regimes democráticos» certas expressões do texto da Petição. Ora, no entendimento dos promotores, o que caracteriza a democracia é precisamente a ideia de que a tolerância e o pluralismo devem ser objecto de incessante vigilância cidadã, cabendo aos os meios de comunicação social, pela sua própria natureza, aprofundar constantemente esse desiderato.

7. Na deliberação que produziu, a ERC reconhece que «a petição coloca uma problemática difícil de abarcar, na medida em que tem na sua origem distintas concepções ideológicas relativas ao funcionamento do sistema económico-financeiro, que transcendem em larga medida qualquer representação de base político-partidária (ou de outra natureza), tornando-se particularmente complexo definir um quadro de referência conceptual para informar a análise». Esta declaração de impotência, a que a ERC anexa o reconhecimento da manifesta falta de resposta por parte dos serviços de programas, leva a uma conclusão. Tratando-se de uma questão que não se resolve com uma mera seriação de nomes e tempos de intervenção, por um lado, e constatando um dominante mutismo da parte dos responsáveis, por outro, sabemos o que já suspeitávamos: que o tema exige um estudo rigoroso, baseado em métodos qualitativos de análise de discurso, bem como a recolha de pareceres a um painel plural de especialistas em Economia e em informação económica. Só desse modo a análise da ERC teria sido capaz de apreciar rigorosa e criticamente os discursos produzidos e aferir a existência (ou não) de um silenciamento de determinados sectores sociais e de determinadas leituras científicas, alternativas, do real.

8. Mas a confessada impotência da ERC para tratar aprofundadamente as questões suscitadas pela petição (sendo expresso no relatório que esta entidade «muito dificilmente» poderia ter elaborado «um juízo substantivo e firme sobre a actuação dos diferentes meios de comunicação», no contexto da apresentação do PEC III), não impedem esta entidade, curiosamente, de tecer algumas considerações que apontam para a existência de pluralismo no debate político-económico. De outro modo não podem os promotores da petição interpretar, de facto, duas das três conclusões que decorrem da análise do período entre 14 e 20 de Fevereiro de 2011, a saber: 1) Que a partir do material recolhido se admite “que o comentário sobre assuntos económicos é tendencialmente diversificado envolvendo diferentes tipos de actores sociais, desde jornalistas, políticos, empresários e especialistas académicos”, e que; 2) Se denota «uma tendência para privilegiar a presença de personalidades ligadas aos dois partidos mais votados e representados na AR (PS e PSD». Os promotores da petição dispensam-se, aliás, de comentar esta segunda conclusão, uma vez que não assinalaram em nenhum momento que o problema do défice de pluralismo residia essencialmente em questões de representação partidária, mas sim no quadro do monolitismo vigente no que concerne às correntes de opinião jornalística e económica. Ao que acresce o alerta, ainda relativamente à segunda conclusão, para o facto de a tendência para privilegiar comentadores ligados ao PS e ao PSD (não obstante poder ser justificada pela representação parlamentar destes dois partidos), não dever conduzir à confusão entre representatividade parlamentar e criação de um grande centro ideológico, na medida em que este possa obnubilar as opiniões que fujam desse arco – sobretudo as opiniões que não dimanam directamente dos partidos, cujo espaço mediático de afirmação está mais ou menos assegurado.

9. Na análise e fundamentação com que conclui o documento, a ERC entende ainda destacar a circunstância da a petição não aprofundar nem concretizar os factos em que se baseia a reclamação apresentada, argumentando que os peticionários não assinalam os programas específicos que teriam constituído uma violação do pluralismo nem indicam os especialistas que poderiam expressar visões alternativas. Quanto ao primeiro ponto, importa sublinhar que uma das razões centrais que levaram os promotores a dirigir a petição à ERC reside precisamente na expectativa, defraudada, de que esta entidade pudesse competentemente proceder à análise dos discursos e correntes de opinião expressos, de modo a identificar os programas em que o monolitismo da discussão se revelasse mais pronunciado, bem como aquilatar, com fundamento, da situação geral do pluralismo de opinião do debate político-económico. Quanto ao segundo ponto, declaram os promotores da petição não pretender, de maneira alguma, apresentar cardápios alternativos de comentário político-económico. Lembramos, aliás, que no próprio texto da petição manifestámos a convicção de que o monolitismo de opinião seria igualmente preocupante caso o défice de pluralismo revelasse um sentido contrário àquele que percepcionamos. Isto é, um cenário em que os cidadãos se vissem privados de contactar com os argumentos dos comentadores que perfilham as políticas de austeridade, justamente aqueles que consideramos proliferam excessivamente no actual panorama televisivo, em detrimento das opiniões que sustentam perspectivas alternativas a esta via de resolução dos problemas do país. O pressuposto de que partimos é o de que os responsáveis pelos programas de informação e debate têm – ou deveriam ter – um conhecimento mínimo das diversas correntes de pensamento económico, designadamente dos discursos alternativos que vão aparecendo em alguns jornais e em blogues, bem como da profundidade das divergências que sobre estes temas se expressam nas universidades e nos centros de investigação. Assim, sendo o resultado de uma percepção partilhada, não nos sentimos acometidos à tarefa de elaborar um estudo prévio que pudesse dar sustentação à queixa, para o qual não dispúnhamos aliás de meios, na expectativa que tal empreitada pudesse e devesse – como é legítimo supor – ser desenvolvida pela ERC.

10. Será dado conhecimento desta resposta à deliberação da ERC e do respectivo relatório que a suporta aos subscritores da petição, aos órgãos de comunicação social, aos directores de informação dos diferentes canais televisivos, a jornalistas que se dedicam à análise da comunicação social, ao Presidente da Assembleia da República e aos Grupos Parlamentares nela representados.

Lisboa, 31 de Março de 2011
Os promotores da Petição pelo pluralismo de opinião no debate político-económico

1 comentário:

  1. Reconheça-se que a do «insultuosas e pouco próprias da tolerância e pluralismo que caracterizam os regimes democráticos» é digna de um filme do Buñuel...
    (João Carlos Graça)

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